Sunday, 16 August 2015

Revista Portuguesa de Imunoalergologia - Para além do fator de impacto: O artigo científico e a disseminação de conhecimento em Medicina

 Source: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0871-97212015000200001&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt

Revista Portuguesa de Imunoalergologia

versão impressa ISSN 0871-9721

Rev Port Imunoalergologia vol.23 no.2 Lisboa jun. 2015

 

EDITORIAL


Para além do fator de impacto:  O artigo científico e a disseminação de conhecimento em Medicina



João Fonseca



Unidade de Imunoalergologia, CUF Porto Hospital e Instituto

CINTESIS – Center for Health Technology and Services Research, Faculdade de Medicina da Universidade do Porto

Secretario‑Geral da Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica



Contacto



Uma
velha história sobre a publicação científica pode ser contada de forma
breve. Ao café, um médico diz ao outro: “Acabou de sair um artigo ótimo
que prova que nos doentes com … [escolha o leitor uma situação clínica]
é melhor … [intervenção terapêutica ou diagnóstica] do que … [outra
intervenção].”

O outro médico responde: “Isso até já a minha avó sabia!”

O primeiro médico comenta calmamente: “Foi pena a tua avó não ter publicado.”

O
artigo científico é um dos formatos de publicação de novos avanços do
conhecimento médico. Os processos de seleção editorial e de revisão por
pares são determinantes como forma mais valorizada de apresentação de
resultados de um trabalho de investigação em Medicina.

A
publicação de um artigo científico é hoje o modo mais visível e
persistente no tempo de disseminação desses resultados, tornando‑se
também uma montra dos autores e instituições que os produzem – a cereja
em cima do bolo dirão uns, os melhores bolos dirão outros.

Para
a afirmação e crescimento de uma área clínica é imprescindível uma
produção consistente e de qualidade de artigos científicos. Igualmente,
para a formação e actualização dos especialistas numa área clínica, a
preparação e realização de um trabalho publicado sob a forma de artigo é
um desafio e uma experiência educativa única.

Esta primazia
do artigo não significa que muitas outras formas de disseminação de
novo conhecimento clínico não sejam também necessárias e relevantes.
Pelo contrário as (boas) discussões entre colegas, as comunicações em
reuniões e congressos (e respetivos resumos), a divulgação em média não
especializados e em novos média ou as publicações sem revisão por pares,
como livros ou monografias, complementam e expandem as funções dos
artigos científicos.

Temos assistido a um crescimento
exponencial dos artigos científicos alimentado por fatores como o
aumento da investigação, os avanços tecnológicos ou mesmo o reforço da
importância do artigo científico. Em cerca de duas décadas passamos da
dificuldade de acesso a informação científica para a de imperiosidade de
escolha de entre a imensa quantidade de artigos científicos produzidos.

Hoje perguntamo‑nos como os procurar1
e como os selecionar. A seleção dependerá, seguramente, do motivo
porque queremos ler mas, de um modo geral, será seguro que os artigos
mais citados por outros autores terão um maior interesse. No entanto, só
passado demasiado tempo sabemos que artigos são mais citados.

O que sabemos é que artigos publicados em revistas que tem artigos muito citados têm habitualmente mais citações.

Estas
revistas são as mais prestigiadas, mais procuradas para publicação e
por isso mais exigentes na escolha dos artigos que publicam. Por
consequência, os artigos aí publicados tendem a ter mais qualidade e
importância, sendo por isso mais citados.

O Institute of Scientific Information(ISI) agora parte da Web of Science da Thomson Reuters, concebeu uma medida do impacto de uma revista utilizando o número de citações – o fator de impacto (FI).2
O FI contabiliza as citações feitas num dado ano a artigos publicados
nos dois anos anteriores nas revistas incluídas no Science Citation
Index, a base de dados mais exigente de indexação de revistas
científicas.

O cálculo do FI é o quociente entre o número de
citações que os artigos publicados na revista durante os dois anos
anteriores tiveram naquele ano e o número de artigos publicados – o FI
de 2014 da revista x é igual número de citações em 2014 dos artigos
publicados em 2012‑13 na revista x a dividir pelo número de artigos
publicados em 2012‑>13 na mesma revista. Simplificando poderíamos
dizer que um artigo publicado na revista Allergy, por exemplo, terá em média 6 citações nos 2 anos seguintes (Quadro 1). O FI de uma revista pode ser procurado no Journal of citations reports(JCR),3
um recurso pago da Thomson Reuters, a que as instituições portuguesas
têm acesso através da biblioteca do conhecimento online (B‑on.pt). Pelo
mês de junho de cada ano são publicados os FI do ano anterior. Em 2015
foi apresentada a 40.ª edição. A categoria Allergytem 24 revistas
indexadas e o fator de impacto agregado dessas 22 revistas é 4047,
correspondendo ao 22.º lugar das 232 categorias de todas as áreas
científicas que fazem parte do JCR. No Quadro 1 estão listadas por ordem decrescente as dez revistas com maior fator de impacto indexadas na categoria Allergy do JCR em 2014.


O FI é muito utilizado por ser uma medida simples, fácil de entender e
que mostrou o seu valor o longo de várias décadas. No entanto, como não
há medidas perfeitas, têm sido feitas muitas críticas ao FI4 e à sua
utilização para fins para os quais não foi desenvolvido. O FI não pode
ser utilizado para avaliar o impacto de um artigo em concreto, mas de
uma revista científica. Provavelmente a crítica mais frequente (mas não a
mais importante) feita ao FI é a impossibilidade de ser usada para
comparar revistas de diferentes áreas científicas – o número de citações
varia muito entre áreas científicas, por exemplo pelas diferenças de
produção científica mas também pela natureza própria das áreas e hábitos
de citação. Surgiram, por isso, outras métricas mais evoluídas como o
Source Normalized Impact per Paper (SNIP) que tem em conta o
número total de citações de uma determinada área científica, o que
permite comparar revistas de áreas diferentes. Além de outras melhorias
face ao FI o SNIP é de acesso livre5 mas continua ser menos
conhecido. Já neste ano de 2015 a Thomson Reuters apresentou o percentil
de fator de impacto de uma revista, o qual normaliza o FI, permitindo a
comparação entre revistas de diferentes áreas. Existem várias outras
medidas de bibliometria, isto é, a análise estatística das publicações e
suas citações utilizadas em situações mais específicas.
Alem das medidas de bibliometria, a análise da disseminação e do
impacto que um determinado artigo tem pode hoje ser medido analisando as
referências ao artigo na Internet (webometrics). Em 2010, foi proposta uma medida mais geral do impacto dos artigos – a altmetrics,6 que além das citações incorpora o número de visualizações dos artigos, de downloads, de referências em bases de conhecimento, nos social média e média tradicionais.

Esta
medida pode ser aplicada a revistas, pessoas ou instituições, por
exemplo, concorrendo assim também o h‑index, uma métrica muito utilizada
para avaliar a produtividade e o impacto científico de um investigador
ou grupo.7 Ainda a propósito da disseminação do conhecimento
utilizando a Internet, são de referir ferramentas de comunicação
dirigida aos interesses de cada elemento de comunidades científicas e
que ajudam a conhecer os artigos que vão sendo publicados. São exemplos o
Research Gate (http://www.researchgate.net), Researcher ID http://www.researcherid.com/ ou Academia.edu https://www.academia.edu/.
Em muitos casos são também repositórios de autoarquivo dos artigos
completos pelos autores, permitindo aceder a artigos publicados em
revistas às quais não temos acesso livre.

Em resumo, o
artigo científico é o principal meio de disseminação dos avanços do
conhecimento médico. As rápidas alterações das últimas décadas tornaram
necessário aprender a pesquisar e a selecionar os artigos científicos.

O
fator de impacto foi uma das primeiras métricas utilizadas para medir o
impacto da publicação científica, é muito utilizado por ser fácil de
interpretar mas também fácil de usar de forma inapropriada. Estamos a
assistir à utilização crescente de outras medidas que nos ajudam a
compreender melhor a disseminação e o impacto de revistas e de artigos
científicos, mas também dos próprios autores e grupos/instituições.



REFERÊNCIAS

1.
Jacinto T, Morais A, Fonseca, J A. How to write a scientific paper –
Searching and Managing Biomedical information. Rev Port Pneumol
2011;17(4):190>‑4

2. The Thomson Reuters Impact factor. http://wokinfo.com/essays/impact‑factor/

3. Journal of citation reports. https://jcr.incites.thomsonreuters.com/

4. Fooladi M, Salehi H, Yunus MM, Farhadi M, Chadegani AA, Farhadi, H, et al. Does Criticisms Overcome the Praises of Journal Impact Factor?. Asian Social Science 2013; 9(5):176‑82

5. Centre for Science and Technology Studies (CWTS) Journal Indicators. http://www.journalindicators.com/

6. Priem J, Taraborelli D, Groth P, Neylon C, Altmetrics: A manifesto, 26 October 2010. http://altmetrics.org/manifesto/

7.
Jones T, Huggett S, Kamalski J. Finding a way through the scientific
literature: indexes and measures. World Neurosurg 2011; 76(1‑2):36‑8



Contacto:

João Fonseca

CUF‑Porto

Hospital e Instituto

Estrada da Circunvalação 14341

4100‑180 Porto

Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons
  Sociedade Portuguesa de Alergologia e Imunologia Clínica

Rua Manuel Rodrigues da Silva, 7 C - escritório 1
1600-503 Lisboa

Revista Portuguesa de Imunoalergologia - Para além do fator de impacto: O artigo científico e a disseminação de conhecimento em Medicina

No comments:

Post a Comment